quarta-feira, agosto 20, 2008

Entre o céu e o asfalto

Fora como uma rodoviária.
Barulhento, barato, uma longa viagem. Meio que de repente eles tinham escolhido embarcar naquele ônibus, com um destino certo pra algum lugar que eles não conheciam, mas que iriam se adaptando conforme a viagem percorria. De escalas em escalas, na estrada da convivência, as paradas eram muitas. Bares, festas, casas, bebidas, brigas, esquinas, choros, porres, brigas, orelhões, celulares, motéis, esquinas, calçadas, bares, lachonetes... Eles sabiam que a viagem poderia ser longa, bastava que nenhum dos dois descesse antes do planejado. E eles conseguiam, com muita parceria, empréstimos de cobertor, vigilâncias de porta de banheiro, despertadores mútuos e conversas, nunca tinha passado pela cabeça deles sair daquela viagem. A paisagem era linda, a cada novo lugar tudo era diferente, estavam se descobrindo a cada quilômetro. Muito barulho, muita gritaria, pneu furado, suor, gemido e lágrimas. Fazia parte, eles tinham escolhido o ônibus. A viagem poderia durar mais que o previsto pois a rota poderia mudar, o motorista mudava de caminhos sem avisar. E ái deles que não estivessem preparados. A estrada tinha buracos e os deixavam enjoados, mas um sempre tinha algum saquinho de vômito para dar para o outro.
Meses se passaram e a viagem não era mais tão legal como antes. Os fetiches, as brincadeiras, as sacanagens que eles achavam que ninguém via, já não tinham mais tanta graça. Porém o medo de não ter mais cobertor, o medo de não ter com quem comentar o pôr-do-sol visto da janela, as nuvens, as pedras com formas engraçadas, isso os deixavam muito mais próximos.
Eis que então, numa das escalas, aquela que eles mais temiam - Trabalho. Ela têve que abandonar aquele ônibus. Tudo já contribuia pra isso, ela já não estava mais com todas as certezas que tinha antes, achava que ele já tinha brincado com outras passageiras e estava cheia de dúvidas.
Pegaram outro ônibus, no caminho inverso, com destino ao Aeroporto.
Aquela fora a pior viagem de suas vidas! Uma péssima estrada, muito enjôo, sem brincadeirinhas e sacanagens debaixo do cobertor, muitos vômitos, gritaria e porradas. Enfim chegaram.
No aeroporto tudo era diferente, o oposto da rodoviária.
Silêncio, caro, descartável, rostos sem ansiedade, todos a espera de uma viagem rápida que os levassem logo pra longe daqueles problemas.
Ele no clima de rodoviária e ela já no clima de aeroporto. Se despediram num abraço um tanto rodoviário e um tanto aeroportuário. Um vai-não-vai, um falo-não-falo, mais uns fica-não-fica e acabou que ela foi.
Se ele estivesse na rodoviária, gritaria, espernearia, pularia as fitas de proteção, sairia correndo atras dela. Mas não, não podia. Lá tinham seguranças grandes e detectores de metáis.

Ela foi, num vôo rápido e pra sempre. Ele ficou, numa viagem longa e passageira de saudades.

Um comentário:

S disse...

tava com saudade dessas visões. como sempre o texto tá muito bom, adoro quando tu faz essa metáforas :)