terça-feira, janeiro 22, 2008

Tapas

"Ave falconiforme, distribuída do Panamá à Argentina, de coloração pardacenta mais escura no dorso e na cauda, esta com faixas claras transversais; tem o lado inferior branco, uma mancha clara circundando o pescoço, uma faixa negra em torno dos olhos, prolongando-se até a nuca, e o alto da cabeça branco. Ave de rapina que ataca especialmente os ofídios".

Um dia éramos aves de rapina, cheios de palavras a correr nos finos vasos sanguíneos dessa ave atroz. Mas o nosso ataque era bom, leve, utilizava símbolos para expressar nossa paixão pela vida, nossos desafios e o mundo - o nosso mundo,visto por dois pares de olhos que olhavam para o mesmo horizonte perdido. Até que eu percebi as palavras transbordarem em erupções cada vez mais constantes, cheias de uma sensível sabedoria, e um dia resolvi criar esse mundo de representações, onde você e eu expressaríamos o nosso mundo..

Outro dia me dei conta dos rumos em que voamos e, com espantosa nostalgia - essa a que se refere -, notei o percurso contrário que tomamos. Percebi ainda, com maior espanto, a enorme distância que separa nosso vôo e o quanto a sua ave encosta o bico no peito e só se dá conta da sua individual existência. Ela diz andar em corda bamba, assume que o sentido do seu vôo está apenas em fazer com que os outros pássaros a perceba e ame e, por fim, nota esse coração de pedra e frio que agora bate em seu peito. Confesso a minha decepção, mas animo-me em ver uma possível revolução! Estou batendo na sua cara para que você também bata na minha, dou-lhe minha face, meu peito, minha arma. As minhas verdades - se é que as tenho - parte são dúvidas, parte encantamento, parte tristeza, agonia, felicidade, contradição! São elas as impulsionadoras daquilo há muito guardado sob minhas asas. Se as suas verdades são aquelas que me fizeram decepcionar, então enxugo as lágrimas e o compreendo do jeito que é, ou se tornou – tudo sempre muda; mas se elas são apenas máscaras de verdades muito mais simples, então sim, dou-lhe todas as tapas à cara e digo-lhe que um dia, quando as quiser tirar, estarão pegadas à cara.

Primeiro senti a raiva de não vê-lo mais voar comigo - ou será que fui eu quem desviou o caminho? Caminho.. parece que há um certo e um errado, não, não há. Só chegou um dia em que as nossas diferenças foram maiores que as semelhanças. Como é difícil aceitar isso! Mas depois da raiva vem a aceitação, a plenitude da realidade se mostra boa, simples de ver: estaremos sempre voando, o horizonte ainda nos espera, o que mudamos foi o modo de chegar lá. Então o amor fica guardado e os álbuns fotográficos gravam as melhores memórias. "Tudo acaba, mas não completamente" - disse certa ocasião.

Agora bata em mim, sempre senti falta da sua raiva.
Acaná.

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