sábado, fevereiro 02, 2008

E quem um dia irá dizer que não existe razão?

Ele um visionário, ela conservadora. Ele novo, ela mais velha. Ele Eduardo, ela Mônica.
Ele tomava banho de chuva, ela banho de sol. Ele estudava enquanto ela trabalhava. Ele tinha frio e ela calor.
Eles tinham tudo que um casal pode ter pra não ter algo em comum. Tinham um mundo inteiro pela frente, um destino bonito e feliz, teriam saúde, paz e dinheiro no bolso. Teriam. Teriam se não tivessem se encontrado.
O destino tentou, tadinho, tentou mesmo. Mas não conseguiu fazer com que eles não se amassem.
Naquele dia de chuva, febre, estudos e responsabilidades ele resolveu não ser ele e arriscar todas as fixas dele num sonho dele, só dele. Num dia de tédio, ressaca, revolta e abstinência de cigarro ela resolveu ser ela. Resolveu tentar resolver todos os problemas que a incomodavam naquele momento, os outros problemas que seriam conseqüência da tentativa da resolução daqueles problemas daquele momento, ela resolveria depois. Ela foi ser ela e ele foi deixar de ser ele.
Ele era parada de ônibus e ela era supermercado. "Malditas paradas de ônibus em frente aos supermercados!" dizia o destino. Ele era casaco, calça, medo e agonia. Ela era short, casaco, vontade e agonia.
Chuva forte, ele corre pra debaixo da cobertura da farmácia enquanto ela anda calmamente pra cobertura da farmácia. "Oh não! Um lugar com dois lugares!" lamentava-se o destino. Ele direita, ela esquerda.
Ela reclama, pensa em ir andando debaixo da chuva. Mas a chuva era exatamente o motivo da ida ao supermercado pra não ter mais que sentir a chuva.
Ele não sabe se reclama ou agradece, pensa em ir andando debaixo da chuva. Mas a chuva era exatamente o motivo da ida à parada de ônibus pra não ter mais que andar debaixo de chuva.
Os dois ficam (para desgraça do destino), se olham e não se gostam. Ele era baixo, agasalhado, com cara de estudioso e com corisa no nariz. Ela era alta demais, sem roupa demais, com cara de drogada e cascão no dedo.
Depois de três minutos, quarenta e quatro segundos e sessenta e sete centésimos um anjo, que até hoje eles não sabem quem, pergunta onde fica o bar 'Legião Urbana'. Ele responde: do lado da parada. Ela responde: em frente ao supermercado.
Um olha pro outro como o intruso da resposta de ambos. Mas o anjo não tinha especificado um respondedor.
Depois de alguns segundos, que até hoje ninguém sabe quantos exatamente, ela reclamou da chuva e ele reclamou do frio. Depois ele reclama da febre e ela reclama da falta de cigarro.

Passadas muitas reclamações egoístas e muitas gotas de chuva, eles começaram a perceber o quanto tinham de incomum, o quanto não se gostavam, o quanto não dariam certo e o quanto estavam estupidamente atraídos um pelo outro.
A chuva naquele dia, para causar o suicídio dos destinos dos dois, não parou. Ele esqueceu da parada de ônibus e ela já não queria ir mais ao supermercado. Ela, como sempre, bem mais ativa, o chamou para a casa dela (a mais bagunçada casa que ele nunca teria visitado). Ele, não sendo ele, aceitou aquele convite. Definitivamente, ele não era ele mesmo!
Passada uma noite tensa e intensa, eles descobriram que nunca dariam certo e que voltariam a se ver todos os dias, que a cada dia que eles não se vissem ela teria que ir ao supermercado e ele à parada de ônibus apenas pra lembrar um do outro.
Por incrível e desafiador que pareça, eles nunca mais deixaram de se ver, mesmo quando o filhinho do Eduardo ficou de recuperação.

E todos os dias que chove muito, como hoje, eles correm pras ruas pra fazer garotos não serem eles mesmos, cigarros acabarem em casas de garotas e todos terem uma noite tensa e intensa com muitas promessas, percepções e decisões.

Cauã

2 comentários:

S disse...

égua mau, escreve logo um livro! foi bonzao esse post.
e que venham mais tardes chovosas e inspiradoras, regadas a chopp e bons amigos.

mim disse...

e quem irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo destino, mesmo quando é o próprio que se contraria.